domingo, 18 de janeiro de 2009

Salieri

Vou aqui transcrever uma confissão que me foi feita anos atrás. Já não mantenho qualquer contacto com essa pessoa, guardei sempre o email... surpreendeu-me alguém poder viver assim:

"(...)Desde aquela altura, há 10 anos, que me senti enganado e traído acerca daquelas ideias que tinha sobre o que era a família, o amor, o futuro, as relações. Descobri, há 10 anos atrás, que aquilo em que acreditava na altura era mentira, uma enorme falsidade que destruiu até ao osso, e veio a mostra-se pela experiência doloroso. Com as cenas em casa dos meus pais, assisti entre eles a cenas que nunca imaginei ser possíveis. Desde que a violência começou, quer física quer psicológica, quer por palavras ou actos cruéis demais para os meus olhos da altura, algo em mim se transformou. Senti-me enganado e iludido, que me tinham mentido e traído, e a partir daí encaixei em mim mesmo que aquilo não mais poderia acontecer-me, e sobretudo, que alguém teria de pagar.
A partir dessa idade comecei a nutrir sentimentos violentos, aprendi a estima-los e a controla-los aos poucos. Essa raiva, esse ódio que começou a nascer em mim deu-me força...e eu agarrei-me a ele como quem se agarra a uma boiá. Porque isso impedia-me de fazer algo contra mim mesmo. Foi ai também que nasceu a mentira, o engano, o logro, o esquema pensado e desenhado... por mais cruel que isto possa parecer. A vida passou a ser um jogo em que pensava controlar e ter poder, para dominar e fazer acreditar Uma espécie de faz de conta bem elaborado. Mais tarde, apareceu a M. na minha vida e eu pensei e acreditei que tudo iria mudar.
Recomecei a amar. Tive dos melhores 4 meses da minha vida e como terminou tu já o sabes... o que não sabes é que passei os dois anos seguintes a odiar tudo e todos, a ter sentimentos violentos e destrutivo, com alguma dor e remorsos à mistura. Foi a partir dai que jurei a mim mesmo que iria dar cabo de tudo quanto pudesse para poder mostrar as pessoas que o amor, a alegria, a paixão o desejo e tudo o mais eram apenas breves ilusões. Tomei em mãos a tarefa de fazê-las acreditar que era possível para depois, quanto estivessem vulneráveis as destruir, mostrando até que ponto é que acreditavam em historias ou versões, que acreditavam em nada e, o pior de tudo, é que eu gostava que elas o vissem. Fascinava-me o poder, o poder de fazer as coisas aparentemente perfeitas, delineadas, sabendo eu que era a mentira que contava que as fazia feliz.
Durante alguns tempos tive remorsos e sentia-me culpado do que estava a fazer mas o tempo foi-me fazendo esquecer tudo isso. Foi demasiado tempo. Tanto que me enraizou isso de um modo em que perdi o controlo e comecei a ser dominado, já não fazia ou pensava nada que não fosse nesses moldes cruéis. Isto tudo porque alguém tinha de pagar, porque eu não queria sofrer, porque irritava-me tudo o que era bom pois via-o com a desconfiança de uma aparência, para destruir... uma espécie de Salieri* por assim dizer.
Desde então que este tipo de comportamento, brincar com as pessoas, não tem parado. (...)"

*
personagem de Amadeus, filme de Milos Forman, invejoso do génio de Mozart e medíocre musicalmente. Tal imagem é resultante da liberdade ficcional dos realizadores, não correspondendo à figura histórica do compositor.

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